A Presidência da República editou, em 21 de novembro de 2018, o Decreto n. 9.571, que estabelece diretrizes nacionais sobre a relação entre empresas e direitos humanos.
O Decreto contém normas gerais que visam orientar as empresas – sobretudo médias e grandes – sobre como otimizar a garantia e o aproveitamento dos direitos humanos. Nesse sentido, o Decreto se alinha a uma tendência internacional de imputar responsabilidade às empresas não somente pela observância dos direitos humanos dos seus próprios empregados durante o horário e no local de trabalho, mas também aos indivíduos e comunidades circundantes que de alguma forma estejam relacionados à empresa. Esse arco de responsabilidade abrange, por exemplo, os direitos humanos na cadeia produtiva vinculada à empresa, de seus clientes e das comunidades afetadas pelas atividades empresariais.
Os mecanismos previstos pelo Decreto para que as empresas se engajem ativamente na implementação das Diretrizes são variados, e incluem, entre outros:
divulgação interna a respeito das normas e princípios internacionais de proteção aos direitos humanos;
fomento à educação, treinamento e conscientização de seus empregados, dirigentes, colaboradores e terceiros relacionados a parceiros comerciais da empresa a respeito das normas, políticas e valores da empresa pertinentes à defesa dos direitos humanos;
elaboração de código de conduta interno prevendo os compromissos assumidos pela empresa em defesa dos direitos humanos;
promoção de consultas livres, prévias e informadas das comunidades impactadas pela atividade empresarial;
implementação de estrutura de governança corporativa que garanta a efetividade das diretrizes de proteção aos direitos humanos adotadas pela empresa;
prestação de contas com clareza, transparência e lealdade sobre os riscos da operação nos direitos humanos e as medidas adotadas para preveni-los;
criação e manutenção de programa de integridade na empresa;
adoção de procedimentos para avaliar o respeito aos direitos humanos na cadeia produtiva;
criação e manutenção de canais de denúncia e reclamação para a identificação de violações aos direitos humanos;
realização de auditorias jurídicas (due diligence) para identificar, mitigar e remediar riscos e violações a direitos humanos.
A tendência de se imputarem a atores não-governamentais (sobretudo empresas transnacionais) obrigações amplas de respeito e proteção aos direitos humanos (bem como sua remediação, quando necessário) tem sido observada já há vários anos no plano internacional. Essa tendência deflui, principalmente, da crescente percepção – tanto no âmbito acadêmico quanto nas organizações internacionais e autoridades nacionais – de que a arquitetura do sistema internacional dos direitos humanos deveria se modificar para que estes pudessem ser efetivados em maior medida em um mundo profundamente transformado. Ao mesmo tempo em que grandes empresas transnacionais assistiram ao crescimento do seu poder e da sua capacidade de mobilização global de bens e capitais, houve um significativo declínio e mesmo uma desagregação do poder dos estados nacionais. Problemas que antes eram predominantemente nacionais tornaram-se eminentemente internacionais ou transnacionais (como corrupção, terrorismo, poluição e preservação do meio ambiente, lavagem de dinheiro, higidez dos mercados financeiros e de capitais, por exemplo). Nessa esteira, o implemento e a garantia dos direitos humanos em escala mundial vem encontrando, há anos, complicações sem precedentes relacionadas ao aprofundamento dos processos de mundialização – em mercados cada vez mais competitivos, grandes empresas transnacionais planejam e organizam sua cadeia de produção e fornecimento em escala global, valendo-se, inclusive de plantas produtivas – próprias ou de terceiros – localizadas propositalmente em países com menores níveis de proteção aos direitos humanos, ou, ainda, mesmo dentro de seu próprio país de origem, recorrendo à terceirização de parte de sua produção e utilizando empresas que não adotam boas práticas de respeito aos direitos humanos.
Com vistas a tais percepções acerca da necessidade de transformação da arquitetura do sistema internacional de direitos humanos, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 2011, os Princípios Orientadores sobre Empresa e Direitos Humanos (United Nations Guiding Principles on Business and Human Rights – UNGPs). Na sequência, diversos países endossaram a iniciativa da ONU e incorporaram em seus ordenamentos jurídicos legislações que disciplinassem esse arco mais extenso de responsabilidade das empresas pelos direitos humanos.
Nos termos do Decreto n. 9.571/18, a adesão, pelas empresas, aos princípios ali veiculados, é voluntária. Mas as empresas que aderirem a tais princípios e os implementarem adequadamente poderão receber do governo brasileiro o Selo “Empresa e Direitos Humanos”. Ademais, há também diversos organismos internacionais que conferem selos de integridade às empresas que adiram aos princípios de proteção e respeito aos direitos humanos aceitos e prescritos pela ONU nos Princípios Orientadores acima referidos.
Apesar de a adesão aos princípios do Decreto n. 9.571/18 ser voluntária, há um crescente interesse das empresas em participar ativamente do monitoramento e da otimização dos direitos humanos em todo o seu raio de atuação. Além de se tratar de uma medida que se insere dentro das melhores práticas de responsabilidade corporativa social, ela constitui uma antecipação a um futuro quadro normativo que deverá ser de aplicação cogente e imperativa para todos os seus destinatários, e não mais voluntária.
A Equipe do BLS Advogados coloca-se à sua disposição para qualquer esclarecimento adicional em relação ao tema acima discutido.
O presente documento é oferecido pela BLS Advogados com propósitos informativos apenas, e não constitui parecer ou aconselhamento jurídico.