Receita Federal esclarece tributação das empresas investidas no exterior por empresas no Brasil

A Secretaria da Receita Federal do Brasil esclareceu seu posicionamento sobre tributação de empresas brasileiras em relação às empresas controladas e coligadas no exterior, confirmando que o imposto de renda e a contribuição social sobre o lucro líquido incidem na data do balanço em que os lucros forem registrados, independentemente do qualquer tratado contra a bitributação.

A Solução de Consulta Interna nº 18/2013 (SCI 18/2013), publicada no Diário Oficial da União do dia 13 de agosto de 2013, não vincula automaticamente os contribuintes , nem mesmo a SRFB, mas tal ato pode ser utilizado como diretriz na autuação dos contribuintes que não adotarem a mesma posição.

Decisão do Supremo Tribunal Federal

Observa-se que a SCI 18/2013 foi publicada após decisão de 10 de abril de 2013 do Supremo Tribunal Federal (STF), a qual foi prolatada após mais de 10 anos de disputas judiciais. Essas disputas compreendem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 2588 e dois recursos extraordinários (RE 611.586 e RE 541.090), pelos quais foram discutidos alguns aspectos da tributação das empresas controladas nos termos do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001. O cerne da questão da ADIn 2.588 foi a compatibilidade do art. 74 da mencionada medida provisória com a Constituição Federal, sendo que aquele dispositivo trata da tributação das operações com empresas controladas e coligadas no exterior. A disputa no RE 611.586 envolvia um contribuinte com uma empresa investida localizada em Aruba. Já a disputa no RE 541.090 envolvia um contribuinte com empresas investidas na China, Itália, Uruguai e nos EUA, sendo que a China e a Itália têm tratados tributários firmados com o Brasil.

A regra instituída pelo art. 74 da Medida Provisória nº 2.158, em 2001, trouxe uma mudança radical em relação à regra anterior. A nova regra passou a exigir das empresas brasileiras os tributos sobre os lucros das empresas controladas e coligadas no exterior no momento em que (controlada ou coligada) fecharem suas demonstrações financeiras, independentemente da disponibilização ou da distribuição dos lucros para a empresa brasileira. O artigo 74 diz:

Art. 74. Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do art. 25 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do art. 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento.

Parágrafo único. Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor.

Em sua decisão, o STF determinou que alguns aspectos da nova regra trazida em 2001 são vinculativas porém outros não, sendo que, especificamente:

• para as empresas estrangeiras controladas localizadas em jurisdições de tributação favorecida, as novas regras são constitucionais e a decisão é vinculante;

• para as empresas estrangeiras que não estejam localizados em jurisdições de tributação favorecida, as regras são inconstitucionais e a decisão também é vinculativa;

• para as empresas estrangeiras controladas que não estejam localizados em jurisdições de tributação favorecida, nem sujeitas a tratado contra bitributação, as novas regras são constitucionais, mas a decisão não é vinculativa; e

• para as empresas estrangeiras localizadas em jurisdições de tributação favorecida, houve um empate nos votos dos ministros da Corte, e a decisão nesse ponto foi postergada para outro momento em virtude de aspectos específicos do caso.

No entanto, o STF não decidiu sobre um dos aspectos mais importantes da disputa envolvendo empresa controlada estrangeira: a aplicação da nova regra para operações com empresas localizadas em países com os quais o Brasil possui um tratado tributário internacional.

Isso se deu em virtude das regras processuais no âmbito do RE 541.090 . Especificamente, no processo que culminou no RE 541.090, a justiça de primeira instância considerara que a nova regra trazida pela medida provisória era totalmente inconstitucional, não tratando sobre a questão abrangendo o tratado internacional. Isso impediu o STF de analisar o assunto. No entanto, o STF considerou que o processo do RE 541.090 deve retornar à primeira instância para uma decisão específica sobre o assunto envolvendo tratado internacional e que somente após essa providência é que o STF retomaria o caso.

SCI 18/2013

Nos termos da SCI 18/2013, a SRFB ignora os detalhes específicos dos tratados tributários internacionais assinados pelo Brasil e estabelece uma regra única para todos os casos. O órgão fiscal afirma que a nova regra trazida pela medida provisória não é incompatível com qualquer tratado contra a bitributação assinado pelo Brasil, em razão dos argumentos abaixo:

• De acordo com a Lei das SAs (Lei n º 6.404/1976), os investimentos em empresas controladas e coligadas, nacionais ou estrangeiras, devem ser avaliados pelo método da equivalência patrimonial em que o valor registrado é baseado na quota-parte sobre o patrimônio líquido da empresa investida;

• Ao fazer isso, o contribuinte no Brasil deve informar o rendimento obtido sobre o investimento na sua declaração de renda e que a renda é um acréscimo à sua riqueza, que pode ser paga ao investidor (contribuinte) e, consequentemente, tributados no Brasil;

• Após o pagamento dos lucros pela investida ao contribuinte no Brasil, o montante dos lucros reduz o valor do investimento e o valor correspondente é registrado como disponibilidade em conta do ativo do balanço patrimonial;

• Os tributos pagos pela empresa controlada ou coligada sobre os lucros gerados no exterior pode ser creditado contra o imposto de renda e contra a CSLL no Brasil. Desse modo, apenas os lucros advindos de empresas controladas ou coligadas no exterior em país de tributação favorecida serão efetivamente tributados no Brasil;

• O Brasil não tributa os lucros auferidos no exterior por empresa controlada ou coligada no exterior, mas sim os lucros auferidos no Brasil pelo contribuinte, sendo a base de cálculo para tanto o acréscimo do valor do investimento na empresa controlada ou coligada estrangeira;

• Como consequência disso, nenhum tratado tributário internacional poderia impedir a tributação no Brasil, pois não há nenhuma transação transfronteiriça; somente um país (Brasil) exigirá tributo sobre os rendimentos no Brasil de seus próprios contribuintes;

• A única exceção a esta regra é quando um tratado internacional impedir expressamente a tributação dos lucros ainda não distribuídos de uma empresa localizada em sua própria jurisdição. Este é o caso dos tratados firmados pelo Brasil com a Dinamarca, com a República Checa e com a Eslováquia. Cláusulas desses tratados prevêem expressamente que os lucros não distribuídos de uma empresa situada num Estado Contratante de propriedade ou controlada por um residente no outro Estado Contratante não podem ser tributados nesse outro Estado Contratante.

Comentários

A lógica da SC 18/2013 distorce as regras fiscais nacionais e internacionais. Por exemplo, ela ignora o fato de que as variações positivas causadas pela aplicação do método da equivalência patrimonial não são tributáveis no Brasil.

Além disso, ela distorce o fato de que os lucros auferidos por coligadas estrangeiras podem não ser imediatamente pagas ao investidor brasileiro, impedindo, assim, a tributação desses valores no Brasil . Há muitas situações em que a coligada estrangeira não paga imediatamente a participação nos lucros à empresa brasileira, porque essa não controla a investida. Nesses casos, a premissa adotada pela SCI 18/2013 é claramente falsa.

A SCI 18/2013 é uma tentativa de validar a posição conservadora da SRFB sobre o assunto, pelo menos até que o STF finalmente ponha fim à polêmica de forma que as autoridades fiscais sejam obrigadas a adotar o entendimento do tribunal superior. Até então, certo é que os contribuintes brasileiros serão questionados por agentes fiscais caso não sigam os exatos termos dessa solução de consulta.

David Roberto R. Soares da Silva e Danilo José D’Ambros Junior, Battella, Lasmar & Silva Advogados

Compartilhar: