Explicando as Alterações Recentes na Disciplina Jurídica das Sociedades Limitadas

Explicando as Alterações Recentes na Disciplina Jurídica das Sociedades Limitadas

A Lei n. 13.792, de 3 de janeiro de 2019, em vigor a partir de 4 de janeiro de 2019, alterou certos dispositivos do Código Civil que disciplinam: (i) quóruns de deliberação de matérias privativas dos sócios; e (ii) a exclusão de sócio quando a sociedade possuir apenas 2 (dois) sócios. Analisamos abaixo tais alterações e as razões que as fundamentaram.

1. Quóruns de Deliberação na Sociedade Limitada

Antes da promulgação da Lei n. 13.792/19, o sócio administrador de sociedade limitada que houvesse sido nomeado para a posição de administrador no contrato social respectivo somente poderia ser destituído de tal posição de administrador mediante a aprovação de titulares de cotas que representassem, pelo menos, 2/3 (dois terços) do capital social (salvo disposição contratual diversa). Sob a vigência da Lei n. 13.792/19, diferentemente, exige-se a aprovação de titulares de cotas que representem mais da metade do capital social para se promover a destituição em referência (salvo disposição contratual diversa), conforme a nova redação do §1º do art. 1.063 do Código Civil. A norma em tela, como se percebe, é dispositiva, e não cogente.

Com a alteração legislativa referida, o legislador estabeleceu uniformidade a respeito dos quóruns de destituição dos sócios administradores (sejam nomeados no contrato social ou em ato apartado).

É importante destacar que o Código Civil permite não só que o contrato social estabeleça quóruns diferentes daqueles instituídos em caráter dispositivo pela legislação para a deliberação das matérias que competem à reunião ou assembleia de sócios, mas também que o contrato social atribua outras competências para a reunião ou assembleia de sócios além daquelas elencadas no art. 1.076 do referido diploma legal.

Em atenção a esses dois espaços de autonomia privada que se intercruzam, é recomendável cautela durante a redação das cláusulas de quóruns e competências da reunião ou assembleia de sócios no contrato social da sociedade limitada, pois eventuais incongruências entre as matérias e os quóruns podem levar a situações e resultados indesejados e imprevistos.

2. Exclusão de Sócio em Sociedade Limitada Composta por Apenas 2 (Dois) Sócios

Outra alteração promovida pela Lei n. 13.792/19 no Código Civil diz respeito à exclusão de 1 (um) dos sócios, quando a sociedade limitada for composta por apenas 2 (dois) sócios.

Como regra geral, o art. 1.085, par. único, do Código Civil estabelecia, para qualquer caso, que a exclusão de um sócio somente poderia “ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa”.

O legislador entendeu, entretanto, que esse procedimento convocatório especial para a reunião ou assembleia que tem em sua pauta a deliberação sobre a exclusão de um sócio seria desnecessário na hipótese de sociedades com apenas 2 (dois) sócios.

Como consequência da alteração promovida pela Lei n. 13.792/19 no art. 1.085 do Código Civil, o sócio majoritário poderá excluir o sócio minoritário, se somente tais dois sócios compuserem o quadro societário da sociedade, sem necessidade de convocação com tempo hábil para permitir o comparecimento do minoritário ou mesmo tempo razoável para permitir o exercício do direito de defesa do minoritário.

Importa lembrar que, independentemente do número de sócios da sociedade, a exclusão extrajudicial de sócio prevista no art. 1.085 do Código Civil é possível apenas naquelas sociedades limitadas cujos contratos sociais expressamente prevejam a possibilidade de exclusão de sócio por justa causa. Entende-se, a rigor do art. 1.085 do Código Civil, que se configura justa causa para a exclusão extrajudicial de um sócio quando tal sócio põe em risco “a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade”.

Apesar de a alteração legislativa promovida no §1º do art. 1.085 do Código Civil ter por escopo a simplificação e aceleração dos procedimentos da sociedade limitada de 2 (dois) sócios, o sócio minoritário poderá, no caso de ser excluído extrajudicialmente pelo sócio majoritário, recorrer ao Poder Judiciário se tal minoritário entender que não houve justa causa que fundamente a sua exclusão da sociedade e que o majoritário promoveu a sua exclusão de modo abusivo. Ainda que a Lei n. 13.792/19 tenha buscado agilizar, do ponto de vista procedimental, a exclusão do sócio minoritário em sociedade limitada de 2 (dois) sócios, a exclusão extrajudicial continua pressupondo a prática, pelo sócio que se pretende excluir, de atos de inegável gravidade que coloquem em risco a continuidade da empresa. Por isso, as controvérsias entre sócio majoritário e sócio minoritário acerca da configuração ou não de justa causa para a exclusão podem se prolongar no âmbito judicial.

3. Justificativas das Alterações Legislativas

As alterações legislativas introduzidas pela Lei n. 13.792/19 decorrem de certas constatações empíricas – trazidas à lume principalmente pelo estudo “Radiografia das Sociedades Limitadas”, da FGV Direito SP – acerca da realidade das sociedades limitadas no Brasil, conforme escreveu o Deputado Carlos Bezerra na justificação que acompanhava o projeto de lei de sua autoria que deu origem à Lei n. 13.792/19.

O referido estudo analisou as sociedades limitadas ativas registradas na Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) entre os anos de 1993 e 2012. Entre outras constatações, o estudo indica que 85,70% de todas as sociedades limitadas analisadas possuem apenas 2 (dois) sócios:

(Fonte: Radiografia das Sociedades Limitadas (Núcleo de Estudos em Mercados e Investimentos – https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/anexos/ radiografia_das_ltdas_v5.pdf).

De acordo com o mesmo estudo, 98,34% das sociedades limitadas registradas na JUCESP não possuem administração profissional, e apenas os sócios administram a sociedade.

Ademais, o estudo da FGV Direito SP referido pelo Deputado Carlos Bezerra na justificação do seu projeto de lei indica também que uma porcentagem considerável das sociedades possui um sócio controlador titular de cotas representativas de 75% ou mais do capital social da sociedade respectiva; e também uma porcentagem significativa de sociedades não possui um controlador (ou seja, nenhum dos sócios possui cotas representativas de pelo menos 75% do capital social da sociedade), conforme se vê no gráfico abaixo:

(Fonte: Radiografia das Sociedades Limitadas (Núcleo de Estudos em Mercados e Investimentos – https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/anexos/ radiografia_das_ltdas_v5.pdf).

Em vista desses dados, percebeu-se que a destituição de sócio nomeado administrador no contrato social, estando sujeita, teoricamente, ao quórum de aprovação de ¾ do capital social (segundo a antiga redação do art. 1.063, §1º, do Código Civil), em um número significativo de casos, acabaria exigindo unanimidade para a sua concretização. O legislador também observou que, naquelas muitas sociedades de 2 (dois) sócios em que há um controlador, seria uma “formalidade sem sentido” (nos termos do relatório produzido na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviço – CDEICS, da Câmara dos Deputados) a exigência de um procedimento assemblear que garantisse direito de defesa ao sócio minoritário.

O presente documento é oferecido pela BLS Advogados com propósitos informativos apenas, e não constitui parecer ou aconselhamento jurídico. Para informações adicionais, a Equipe de Direito Societário da BLS Advogados encontra-se à sua disposição.

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